23/04/2010

Muito além do terno

Às 6 horas e 55 minutos da manhã, o segurança Ricardo* senta-se em uma cadeira no interior de sua guarita e passa a ler um jornal. Cerca de 30 pessoas passam por ele até as 7 e meia, mas apenas 4 o cumprimentam, ou seja, 13,3% dos transeuntes. Apesar da indiferença dos alunos da PUC, Ricardo diz gostar do emprego que tem há dez meses: “acho que eu gosto muito do contato com o público”, ele afirma. Enquanto vigia a entrada da FAFICLA, Ricardo observa pessoas embriagadas dançando nas imediações, algo que, segundo ele, é normal e engraçado. Contudo, ele de fato se sente invisível para os outros. Nas palavras dele, se sente um vaso, uma pedra. E quando ele tem de se fazer visível, como nas ocasiões em que orienta pessoas a não fumarem em locais proibidos pela recente Lei Anti-Fumo do governo paulista, costuma ser tratado com arrogância e desrespeito.
Um colega de Ricardo, André*, confirma a indiferença dos alunos. “Tem o pessoal que não olha, viu. Mas isso é normal, tem em todo lugar. No meu outro trabalho, era pior, o pessoal era mais velho. Parece que quanto mais tem, mais as pessoas se acha. Aqui é mais gente jovem” diz o jovem que já trabalhou como segurança na SABESP e como ajudante de pedreiro, com o pai. André gosta mesmo é de engenharia civil, área que pretendia cursar na UNINOVE (Universidade Nove de Julho), se a preguiça não falasse mais alto: “Eu tava até pensando em ir pra Uninove, agora. Ou ano que vem, ou só no meio do ano. Porque é aqui pertinho, posso ir direto do trabalho. [...] Mas dá preguiça agora....”
Ricardo e André foram os únicos seguranças com quem o Relatos do Anonimato conseguiu contato. O supervisor da equipe não permitiu que fossem feitas mais perguntas aos funcionários. “Aqui ninguém tá autorizado a dar entrevista. Não podemos falar nada.” disse ele com veemência.
Os personagens acima representam um segmento da nossa sociedade, que sofre de um problema crônico: a invisibilidade social. Fazem parte deste segmento pessoas que prestam os mais variados serviços (sejam eles formais ou informais), mas que não são notadas. Imaginemos a manhã típica de um cidadão paulistano de classe média alta: ele acorda e toma o seu café, passa pela portaria do seu prédio, estaciona o seu carro em sua empresa ou em algum estacionamento, e finalmente dirige-se até a sua mesa de trabalho. Provavelmente, ele passou por cerca de quatro prestadores de serviços: sua empregada doméstica, o porteiro de seu prédio, o porteiro da sua empresa ou do seu estacionamento, e a faxineira do lugar onde trabalha. Isso se não considerarmos a possibilidade do indivíduo ter passado por seguranças particulares e garis. Mas será que ele cumprimentou todos? Será que sequer sabe o nome de cada um deles? As atuações destes elementos são tão típicas, comuns e de certa maneira discretas, que muitas pessoas inconscientemente se esquecem da presença deles tornando-os como parte do cenário de suas vidas.
Esta matéria inaugura uma série de reportagens sobre o tema invisibilidade social. Todas as histórias serão reais, e levarão cada leitor a uma reflexição sobre suas atitudes cotidianas e as problemáticas da sociedade atual.

Autoria do grupo Relatos de um anonimato.

*Os nomes dos entrevistados são fictícios para presevar suas identidades.