28/06/2010

Relatos a olho nu
















Fotos por Larissa Marolla.

*As pessoas fotografadas estão cientes do uso das imagens.

21/06/2010

Invisibilidade visível



“A invisibilidade é muito por falta da pessoa não ter voz” diz Renato* de 27 anos. Estudante de jornalismo em uma das faculdades mais conceituadas do Brasil e servente de uma escola no bairro Jardim Bartira, Renato é um exemplo de perseverança para todos. Moreno, alto e magro, carrega nos olhos uma história de luta, mas com muitas vitórias. Na adolescência ficou órfão de mãe, e hoje cuida do pai debilitado. Apesar de tudo, não sente pena de si mesmo, apenas procura ter voz na sociedade.

“O pior que ser invisível é sentir que a sua opinião não conta”. Renato franze a testa, expressando indignação, ao relatar um incidente que ocorreu na escola em que trabalha. Opinou várias vezes sobre os horários dos intervalos das crianças, mas só conseguiu ter sua proposta atendida, quando conversou com os professores e eles foram conversar com a direção. “Minha opinião não vale nada, eu to aqui mas eu não to, eu sou simplesmente o servente”.

Quando questionado sobre invisibilidade social, afirmou que todas as pessoas um dia já se sentiram assim. “Assim como eu faço as pessoas serem invisíveis, o inverso também acontece”. O exemplo que deu foi o de sua rotina “eu pego ônibus com o mesmo cobrador todo dia, mas eu não lembro a cara dele, e encontrei com ele hoje lá. Porque eu fico pensando que tenho que trabalhar, ir pra faculdade, tenho o meu pai pra cuidar e tenho que ficar controlando os gastos financeiros”.

Mão no queixo, pés cruzados. Renato conta sobre as pessoas que moram em sua região. “É bem variado, os mais novos nasceram aqui em São Paulo, os mais velhos vieram do Norte, Nordeste”. Menciona Ceará, um amigo nordestino que lhe ensinou muito culturalmente. Resgata também a memória de sua mãe, que veio do Piauí quando era adolescente. Seus olhos se perdem.

Nos traços de seus vizinhos, identifica Macabéa de Clarice Lispector. “Tem uma maneira bem fácil de você ser conhecido num lugar como a periferia de São Paulo, você morre”. Lembra de uma música do grupo de rap que gosta de ouvir. Olha para cima, e canta um refrão que recorda “Foi fuzilado à queima roupa no colégio, abastecendo a playboyzada de farinha. Ficou famoso, virou notícia, rendeu dinheiro aos jornais, ham!, cartaz à policia. Vinte anos de idade, alcançou os primeiros lugares... super-star do notícias populares!” (Racionais – Homem na Estrada). Renato espreguiça as costas na cadeira, olha para o chão e continua falando “As pessoas de periferia só se destacam se virarem jogadores de futebol ou entrando no crime. O cara quer ter um tênis ou uma camisa da marca famosa, daí ele entra no crime. Isso gera a violência, mas faz ele se sentir bem”. São os Guris de Chico Buarque que ainda podem ser vistos na sociedade. O jovem complementa sua fala apontando outras ações que observa nas pessoas de sua comunidade, “quando querem aparecer eles também se voltam pra pichação e pro bullying”.

Sua motivação maior em estudar e se graduar como jornalista é saber da chance que terá para melhorar o lugar em que vive. “Esse era meu objetivo desde do primeiro dia que cheguei na universidade” sorri o rapaz. Como estudante de uma boa universidade, consegue ver hoje portas abertas. Percebe sua oportunidade para denunciar as negligências do governo na periferia em que reside, e denunciar os abusos das autoridades naquela região. “Essa voz é o que quero ter, a voz que o pessoal não tem. Não que vá tirar a invisibilidade das pessoas, mas das coisas que vejo todo dia”.

“Talvez eu não seja tão invisível porque eu tenho essa coisa, falo muito. Mas quando as pessoas são mais tímidas elas têm uma baita história de vida e ninguém sabe. A história dela passa por você todos os dias e você não vê, e vai continuar não vendo. Porque as coisas do dia a dia da gente tomam conta do nosso tempo, e os interesses individuais são com certeza bem maiores do que o interesse de saber o que aquela pessoa ali passa”. Com um sorriso inspirador nos lábios e com os olhos brilhando terminou “eu sou um, um sozinho, mas acho que já da pra fazer muita coisa”.


Larissa Marolla


* Nome fictício para preservar a imagem do entrevistado.

13/06/2010

Abrindo aspas

Nosso blog está abrindo aspas para expor as programações que ocorreram na PUC no mês de maio.

Coletiva com a jornalista Cristina Coghi

No dia dezoito de maio, a jornalista Cristina Coghi se propôs a participar de uma coletiva com os alunos do primeiro ano de jornalismo da PUC-SP. Com um tom divertido e inspirador, a profissional que já está na área há vinte anos, expôs alguns momentos de sua carreira e ilustrou o funcionamento de uma rádio jornalística.
“O rádio é um veículo de massa emocionante”, diz Coghi que atualmente trabalha como repórter na rádio CBN. Ao contar um pouco sobre sua vida de estudante relata que foi abençoada “Eu tive sorte ...vim de uma família muito humilde, e fui a luta. Não tinha bolsa família. Comecei cobrindo férias, e ai foi...”
Após o “bum” da sinergia, conta que teve contato com o jornalismo impresso. Para ela é enriquecedor trabalhar com várias mídias e frisa “eles olham muito hoje para sua capacidade de multifuncionalidade”. Por isso deu uma dica a todos os alunos “não feche o campo, esteja aberto a qualquer tipo de trabalho.”
Quando Cristina foi questionada sobre a eliminação do diploma para jornalistas, se declarou uma defensora dele. Mas, mesmo assim, confessou que se encontram hoje muitos jornalistas ruins, que são formados, atuando na grande mídia. A respeito da manipulação por parte dos órgãos que divulgam notícias, disse que não vê, pelo menos, uma manipulação direta. Porém contou que “existem muitos jovens jornalistas que querem agradar o chefe”, e corrompem sua ética jornalística para isso. Afinal, disse Coghi, “o que vale no fim das contas é o lucro”.
“Eu era contestadora e sou ainda. Queria mudar a sociedade”. Jornalista e ao mesmo tempo mãe, ri ao falar que “é uma loucura” conciliar suas duas profissões, “tudo é mais difícil para a mulher, há pressão o tempo todo”.
Com todas as suas adversidades, não desistiu de lutar. Cristina Coghi mostrou que muito mais do que uma ótima jornalista é uma grande vencedora também. E assim, finaliza a coletiva com muitos sorrisos e aplausos.

Autoria do grupo Relatos de um anonimato.

23/04/2010

Muito além do terno

Às 6 horas e 55 minutos da manhã, o segurança Ricardo* senta-se em uma cadeira no interior de sua guarita e passa a ler um jornal. Cerca de 30 pessoas passam por ele até as 7 e meia, mas apenas 4 o cumprimentam, ou seja, 13,3% dos transeuntes. Apesar da indiferença dos alunos da PUC, Ricardo diz gostar do emprego que tem há dez meses: “acho que eu gosto muito do contato com o público”, ele afirma. Enquanto vigia a entrada da FAFICLA, Ricardo observa pessoas embriagadas dançando nas imediações, algo que, segundo ele, é normal e engraçado. Contudo, ele de fato se sente invisível para os outros. Nas palavras dele, se sente um vaso, uma pedra. E quando ele tem de se fazer visível, como nas ocasiões em que orienta pessoas a não fumarem em locais proibidos pela recente Lei Anti-Fumo do governo paulista, costuma ser tratado com arrogância e desrespeito.
Um colega de Ricardo, André*, confirma a indiferença dos alunos. “Tem o pessoal que não olha, viu. Mas isso é normal, tem em todo lugar. No meu outro trabalho, era pior, o pessoal era mais velho. Parece que quanto mais tem, mais as pessoas se acha. Aqui é mais gente jovem” diz o jovem que já trabalhou como segurança na SABESP e como ajudante de pedreiro, com o pai. André gosta mesmo é de engenharia civil, área que pretendia cursar na UNINOVE (Universidade Nove de Julho), se a preguiça não falasse mais alto: “Eu tava até pensando em ir pra Uninove, agora. Ou ano que vem, ou só no meio do ano. Porque é aqui pertinho, posso ir direto do trabalho. [...] Mas dá preguiça agora....”
Ricardo e André foram os únicos seguranças com quem o Relatos do Anonimato conseguiu contato. O supervisor da equipe não permitiu que fossem feitas mais perguntas aos funcionários. “Aqui ninguém tá autorizado a dar entrevista. Não podemos falar nada.” disse ele com veemência.
Os personagens acima representam um segmento da nossa sociedade, que sofre de um problema crônico: a invisibilidade social. Fazem parte deste segmento pessoas que prestam os mais variados serviços (sejam eles formais ou informais), mas que não são notadas. Imaginemos a manhã típica de um cidadão paulistano de classe média alta: ele acorda e toma o seu café, passa pela portaria do seu prédio, estaciona o seu carro em sua empresa ou em algum estacionamento, e finalmente dirige-se até a sua mesa de trabalho. Provavelmente, ele passou por cerca de quatro prestadores de serviços: sua empregada doméstica, o porteiro de seu prédio, o porteiro da sua empresa ou do seu estacionamento, e a faxineira do lugar onde trabalha. Isso se não considerarmos a possibilidade do indivíduo ter passado por seguranças particulares e garis. Mas será que ele cumprimentou todos? Será que sequer sabe o nome de cada um deles? As atuações destes elementos são tão típicas, comuns e de certa maneira discretas, que muitas pessoas inconscientemente se esquecem da presença deles tornando-os como parte do cenário de suas vidas.
Esta matéria inaugura uma série de reportagens sobre o tema invisibilidade social. Todas as histórias serão reais, e levarão cada leitor a uma reflexição sobre suas atitudes cotidianas e as problemáticas da sociedade atual.

Autoria do grupo Relatos de um anonimato.

*Os nomes dos entrevistados são fictícios para presevar suas identidades.